Não Pare na Pista

Já faz algum tempo, fui a uma palestra do CFO (Chief Financial Office) mundial da empresa onde trabalho. Estou falando de uma pessoa que tem sob sua responsabilidade um orçamento que poderia ser considerado o PIB de um pequeno país. Oportunidades como essa não são comuns então resolvi aproveitar e ver o que ele tinha para dizer.

A apresentação foi rápida e não durou mais do que uma hora, incluindo rodadas de perguntas e respostas. Foi muito bom, pois ele não perdeu tempo com baboseiras corporativas, discutiu a estratégia de mercado atual e como a minha área está envolvida nessa estratégia. Percebi que tratava-se de uma pessoa muito bem preparada e tive a certeza que não é qualquer um que chegaria até ali.

Gosto de ouvir e ler histórias de pessoas de pessoas que fizeram a diferença em sua área. Gosto de analisar como foi a sua trajetória. Em todas essas histórias que tenho lido e ouvido vejo um denominador comum, ousadia. Eram pessoas preparadas, que sabiam o que estavam fazendo, mas que acima de tudo eram ousadas para fazer o que fizeram.

Num dos meus posts no meu blog, eu argumentei que a ousadia era o que diferenciava as pessoas comuns de caras como Steve Jobs, Bill Gates ou Linus Torvalds. Personagens como eles tiveram atitudes ousadas e cada um deles contribuiu na forma em como nos relacionamos com os computadores.

Você conhece Silvia Lagnado? Ela começou como Trainee na Unilever, e hoje, aos 43 anos é vice presidente sênior e figura no 21o lugar, na lista das 50 Mulheres Mais Poderosas do Mundo Corporativo. A única brasileira da lista. Lendo a reportagem completa na edição de lançamento da revista Época Negócios, você vai ver porquê. Ela não ficou parada, esperando as coisas acontecerem, ela teve a ousadia de assumir riscos, tomar decisões e encarar os desafios que as oportunidades exigiam. Fracassou muitas vezes, mas cresceu e não perdeu a ousadia. Sabe a campanha da Beleza Verdadeira da Dove, tem o toque da Silvia.

Será que ousadia é sinônimo de inovação ou a inovação é um dos produtos da ousadia? Um dos cases que mais gosto é da Google. O que é preciso para se tornar líder num mercado saturado e consolidado como no caso dos sites de busca na Internet? O que o Google oferecia de diferente dos outros buscadores? Conteúdo extenso? Rapidez? Organização? Relevância? Eu poderia citar diversos exemplos de sites que ofereciam produtos para cada um dos pontos acima, mas o somente o buscador da Google era extenso, rápido, organizado e com resultados relevantes. Tudo num lugar só.

Os fundadores da Google criaram um novo negócio. Eles não queriam competir com Yahoo!, Alta Vista, Lycos etc. Eles têm um objetivo, colocar ordem no caos de informação na Internet e o buscador é somente um dos seus produtos. Ousado não?

Veja o caso do Linus Torvalds, criador do Linux. Ele teve o conhecimento e o talento para criar um clone to Unix, coisa que um razoavel número de pessoas poderiam fazer. Mas apenas pouquíssimas pessoas teriam a ousadia de disponibilizar o seu código para o público.

Desenvolver um novo software é relativamente fácil, mas submetê-lo a outras pessoas, expondo suas fraquezas e defeitos, com risco de ser alvo de críticas que poderiam destruir por completo a reputação do autor e do produto é realmente muito difícil. Todos os méritos para o Linus.

Ousadia é ter coragem de enfrentar seus medos, assumir riscos, tomar decisões. É se expor à avaliação e julgamento de outras pessoas.

Medo… O grande inimigo da ousadia. Pense em uma atitude ousada, seja na carreira, em sua comunidade ou na sua vida pessoal. Agora pense no que pode dar errado. Posso até apostar que você, assim que você pensou em alguma coisa ousada, sua cabeça pensou em um milhão de coisas que poderiam dar errado. Qualquer coisa ousada que você pensar, aparecerão muitos “mas…” para desencorajá-lo.

Por esses dias assisti ao filme Ray, que conta a história do musico Ray Charles. Ele ficou cego logo quando era criança e mesmos assim ele aprendeu a tocar piano e saiu para o mundo. Ele tinha um gigantesco “mas…” para superar. No entanto, a sua mãe o ensinou a não focar nas suas limitações, mas nos seus sonhos e objetivos.

Não deixe os “mas…” tomar conta dos seus objetivos. Como já dizia Raul Seixas, “não pare na pista…se você pára o carro pode te pegar!”. Se ficarmos parados nos “mas…”, perderemos o foco no mais importante, no ideal. Toda atitude ousada tem um ideal, um grande objetivo a ser alcançado. Imagine a lista de “mas…” que o pessoal do Google enfrentou no lançamento. Com certeza nem tudo foi flores, mas eles não perderam o foco no seu objetivo, organizar o caos das informações na Internet.

Ousadia é mais paixão e menos preguiça. Infelizmente a lei do mínimo esforço é o que impera para a maioria dos seres humanos. Quando vejo o CFO falando em sua palestra, não penso em como ele chegou ali, simplesmente penso nele ali. Com certeza ele não nasceu CFO e com certeza ele não ficou esborrachado no sofá vendo o BBB. Enquanto todos estavam se divertindo, ele estava estudando, se preparando para assumir a bronca que um cargo de CFO exige.

Um dos textos que mais me motivou em minha vida profissional, foi o um texto escrito em um site hacker. Ao contrário do que a grande mídia ignorante diz, ser um hacker de verdade não é invadir sistemas para roubar informações e ganhar dinheiro com isso. Isso é crime e o hacker não é um criminoso. O hacker tem uma paixão inesgotável pelo conhecimento. Ele quer aprender a como invadir o seu sistema, não destruí-lo.

Pela filosofia hacker, ele dispensaria uma balada para ficar em casa e reprogramar o televisor velho do seu avô em um osciloscópio. Não que ele precise de um, mas ele tem prazer em descobrir como fazer. Preste atenção, o prazer dele não está em apenas fazer o osciloscópio, mas em descobrir, sozinho uma forma de como fazer. Assim, ele não se contenta em seguir alguma receita de bolo, isso o tornaria um imitador e preguiçoso. Por ter esse perfil, podemos considerá-lo uma pessoa ousada.

Ouse em sua vida pessoal. Veja o exemplo do meu irmão. Por uma série de razões ele decidiu se mudar para outro país. Ele mora em Toronto há cerca de 10 anos. Hoje ele tem dois filhos, uma bela casa e um bom emprego. Vendo ele hoje, a pessoa não tem idéia do que ele passou para chegar lá. Ele teve um ideial, melhorar a qualidade de vida de sua família e a ousadia de seguir com seu projeto.

Outra coisa, ousadia não é simplesmente coragem. O que você acha de pular de para-quedas? E pular de para-quedas saltando de um edifício bem alto? No meio paraquedista (no qual não faço parte) sei que esse tipo de salto é um dos mais perigosos. Então, se você quer fazer um salto desses, não vai subir no prédio de seus pais e saltar de lá com o paraquedas, isso é burrice. Quem faz esse tipo de salto treinou muito e possui muita experiência para fazê-lo. Quer fazer esse tipo de salto, encare isso como um projeto e prepare-se. Com certeza você encontrará muitas desculpas e justificativas para não fazê-lo. Se você for ousado, continuará seu projeto preparando-se e até que um dia você chega-lá.

Com todos os exemplos acima, chego a conclusão que ousadia é a vitória da atitude das pessoas quando elas enfrentam os seus “mas…”. Veja, eu não disse que ousadia resulta em projetos vitoriosos, mas o simples fato de contornar as desculpas e agir, já o torna uma pessoa ousada.

Pode ser que o Ray Charles não tivesse sucesso, mas o simples fato de enfrentar a sua limitação e seguir em frente com seu sonho de ser músico, isso o torna uma pessoa muito ousada. Se o meu irmão não encontrasse emprego, não conseguindo manter-se no Canadá e isso o fizesse voltar, significaria que seu projeto fracassara, mas ninguém poderia acusá-lo de covarde.

Se você tem algum produto que você acha matador, não tenha medo de lançá-lo. Não tem dinheiro? Faça o melhor possivel com os trocados que você tem. Não tem tempo? Durma 4 horas por noite, deixe de ver a novela ou o game de lado, ai você vai ver como você tem tempo. Suje suas mãos! Mostre para seus amigos. Enfrente as críticas. Ignore as invejas e tome cuidado com os elogios. Mas não deixe te tentar. Fracasse se for necessário, mas ouse. Acima de tudo ouse.

Nota: Esse texto foi escrito para uma revista que não vingou. Estava na dúvida se deveria ou não publicá-lo, mas depois da morte do Steve Jobs, achei que poderia ser uma espécie de homenagem.